sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Capítulo 10: Amor cego, faca amolada


Eram sete horas da manhã quando acordou. Saiu da cama lentamente. Arrastada,
colocou primeiro o pé esquerdo no piso frio. Se livrou do fino lençol que estava
enrolado em seu corpo nu. Ainda sonolenta cambaleou até o banheiro. Fechou a porta
enquanto olhava-se no espelho do armarinho.

Ela estava viva. Incandescentemente viva.

Entrou no box e ligou a ducha, O banho a despertaria, pensou, enquanto a água quente
caia em seus ombros, seios, barriga. Descia como rio, deslizava suas pernas e voltava
pro ralo. Mexeu as pontas dos dedões do pé. Unhas limpas. Sem cor, sóbrias.

Como deveria ser a vida.

Molhou a cabeça, ás vezes no banho tinha vontade de ter cabelo comprido. Fechou os
olhos e deixou que a água limpasse seu rosto.

Talvez a alma e revigorasse a energia.

Lembrou que não tinha café da manhã em casa enquanto despejava na palma da mão
uma porção de shampoo. Pensar no café da manhã a conectou com Jairo que ainda
dormia um sono profundo em sua cama. Por um momento teve vontade de sentar-se no
chão, abraçar as pernas e ficar embaixo do chuveiro até ele ir embora.

Sentia-se confusa e tranquila.

Desligou a ducha, abriu a porta do boxe, entrou no roupão verde desbotado que há
dois anos antes ela tinha roubado em um hotel quando estava em Salvador. Ela achava
aquele roupão horroroso, estava gasto, mas não conseguia desapegar daquele pedaço de
pano. Tantas lembranças num único pedaço de pano!

Escovou os dentes:

- Preciso ir ao dentista!, disse ao seu reflexo enquanto examinava detalhatamente os dentes e a boca.

Ir ao dentista. Mais uma das tantas coisas que lhe fugiam e da qual se esquecia.

Decidiu não secar o cabelo, decidiu faltar ao trabalho ir à padaria. E então, compraria o café da
manhã. Pediria para Jairo ficar. Cozinharia o almoço, assistiriam a um programa ruim
na TV, no meio da tarde. E então... e depois desse ritual gostoso, ela... Ela o mataria.

Cuspiu a pasta de dente. Levantou a cabeça e encontrou seus olhos no espelho. Ardiam.

“Quanta bobagem!” Tentou sorrir pra si mesmo. Sua alma doía. Voltou pro quarto, Jairo ainda
dormia de bruços, pernas abertas, mão esquerda abraçando o travesseiro. Um ronco que
lembrava um apito.

Sentou-se na cama em cima da perna direita, olhou para Jairo, para aquele corpo... Olhou toda aquela doença que a fazia feliz.


2 comentários:

  1. Oi!
    Cheguei aqui por meio do Borboleta e acho que a historia tem trechos maravilhosos, mas o enredo é angustiante demais pra mim. Ate entendo a crise da Dora mas a dependencia dessa relaçao mediocre nao casa com minha alma...
    Boa sorte com a historia!

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  2. Decepção com Dora. Todo mundo que sofre por amor o faz porque quer. Tem jeito de escapar. Enfim, vamos ver os argumentos de Jairo, né? Quem sabe ele me convence? Por que Dora já está convencida...

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a menina quer te ouvir...